Finda a guerra, não seremos os mesmos (escrevi eu no início da pandemia). Teremos tido medo, teremos ficado sozinhos, teremos tido uma convivência forçada com certas pessoas, teremos mergulhado e, talvez, emergido. Teremos descoberto o que é essencial, no tranco ou não.
Teremos feito escolhas, eleito prioridades, teremos deixado coisas de lado.
Finda a guerra, deixaremos pessoas. Porque teremos percebido sua face verdadeira, aquele aspecto da personalidade com o qual não conseguiremos mais lidar. Porque em situações de guerra as pessoas se revelam, transborda seu egoísmo, sua hipocrisia, sua maldade. Nunca vi tanta gente que diz que não acredita em vírus sair correndo para o aeroporto mais próximo ; nem tanto natureba atrás de vacina e máscara ; como nunca vi tanta gente que vive com Deus na boca dar mostras de falta de solidariedade e de humanidade ; nem tanta gente que parece cosmopolita escorregar no próprio caráter suburbano.
É a famosa face oculta, o lado escuro da Lua.
Mas também teremos aproveitado para ler, teremos cultivado o silêncio, teremos aproveitado da companhia inestimável de nós mesmos, mesmo nos encolhendo na cama esperando o pior passar. E teremos constatado ou descoberto quão amável é fulano, quão prestativo é beltrano, quão animador é cicrano, quão delicada aquela amiga, quão atenta aquela outra, quão simpático aquele colega, quão coerente aquela pessoa modesta, quão precisa aquela outra, discreta, quão pouco sectário e super disponível um monte de gente.
Porque finda a guerra virá o tempo da crise econômica. E é nessa hora que lucidez é importante, mas gente é fundamental.
Marly N Peres