Cuidar e privilegiar os seus, chama-se racismo. Cuidar do outro chama-se humanidade.
Líderes do mundo todo disputam sempre a cena, como os sabidos da vez, ávidos por holofotes sob os quais destilar sua ajuda maquiada de Filosofia – haverá insulto mais vil ?
E fomos e vamos vendo os super-machos e seus super desempenhos midiáticos, sempre impressionantes – para quem se impressiona com isso ainda. Assim, o descabelado inglês que pagou a boca sendo infectado, ou o líder americano e suas bravatas, ou o Júpiter de plantão nos Élysées recomendando à população que lesse e se voltasse ao que é essencial (pelo menos !), ou o impassível e mentiroso ditador chinês da vez, ou o líder de Igreja pedindo desculpas por disseminar o vírus nos cultos, ou outro líder de Igreja não pedindo desculpas por disseminar o vírus no retiro religioso com direito a jejum, ou o papa (ah, tinha me esquecido desse), que alegou singelamente não ser preciso interromper os cultos da Igreja dele (ah, então ‘tá !).
Enquanto isso, Angela Merkel – sim, ela de novo, discreta como sempre, eficaz e serena, sem sorrisos nem arroubos, sem hormônios nem um Deus entre os lábios, liberou o país e sua disciplinada população do confinamento antes de todo mundo. Com números invejáveis. Ah ! Entre outras coisas, porque sabe que pode contar com a disciplina de seu povo.
Dona de um estoque importante de máscaras, luvas, testes, respiradores e leitos de hospital (o maior da Europa, que surpresa), a Alemanha é o melhor exemplo dessa ética protestante que tem no trabalho um valor em si e não um meio de explorar o outro. E não uma canga, uma imposição com gosto de obrigação detestada. A riqueza que resulta do trabalho é uma riqueza sem culpa. Sob essa ética e esses valores, a elite abonada não precisa ter vergonha de trabalhar, como nos tristes trópicos. Sob ela, o famoso KKK (Kinder, Küche, Kirche = filhos, cozinha, igreja) são algo desprezível e menor, mesmo na boca de mulheres. Angela Merkel que o diga.
Essa mulher que nas reuniões do Partido servia pessoalmente sanduíches e café com leite aos que chegavam – e nem por isso se sentia diminuída, é o exemplo do que eu chamaria de novo feminismo. Não precisa de minúcias midiáticas, dispensa os clichês, não usa Botox etc., mas é uma femme accomplie. E libera uma gente que voltou à vida normal muito antes do que as infelizes populações lideradas pelos super-machos da vez.
Uma gente disciplinada que perdeu 2 guerras mundiais e (pior) incorporou e assimilou uma metade comunista falida e atrasada. Mesmo assim, essa gente é dona da economia número 1 da Europa. O que lhes permite salvar da morte os vizinhos infectados pelo covid-19 sem cobrar, por puro espírito comunitário – e não por solidariedade, conceito fácil, raso e ideologizado.
Por isso, repito : Cuidar e privilegiar os seus, chama-se racismo. Cuidar do outro chama-se humanidade.
Marly N Peres