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Paciência, coração

Na “Odisséia“, quando Odisseu (Ulisses) consegue finalmente voltar para casa e vê sua amada Penélope cercada de pretendentes prontos para ocupar seu lugar, ele diz baixinho “Paciência, coração” (τέτλαθι δή, κραδίη), como se estivesse falando com ela.

Na vida é a mesma coisa: nem sempre é fácil, mas em certas situações basta observar, analisar todos os aspectos, respirar fundo por um minutinho e dizer a si mesmo “Paciência, coração”, antes de tomar qualquer atitude. Falando com o próprio coração. Na verdade, com o próprio timo.

Para bem julgar é preciso recuo, em Filosofia chamamos de “distância crítica”. Ora, a palavra crítica também vem do grego: κρίνω, krino, o juiz. Ou seja, podem existir muitos meios de se acalmar, mas um minuto de paciência planejada, deliberada, de distância crítica em que a Razão se expressa com a clareza da consciência refletida, presente, inteira, ponderada resolve e nos centra, sem necessidade de evasão da situação ou de si mesmo (suposta ausência de consciência). Digo suposta porque me parece improvável um ocidental conseguir um único minuto sem consciência… 

Nossa consciência é um bom juiz. E não é tentando ficar sem consciência que se vai resolver nada. Mas isso de tentar abrir mão deliberadamente da consciência é outra discussão.

O que nos interessa aqui é esse exercício simples e útil de separar as paixões e a Razão, fazendo o timo segurar as rédeas. Explico : o timo, que hoje sabemos ser o ponto de nosso corpo responsável pela defesa imunológica do organismo (espertos, esses gregos !).

O melhor exemplo provavelmente seja a metáfora da biga, de Platão.

Ela aparece no diálogo Fedro. Platão separa o sensível (nossas sensações) do inteligível (nossa inteligência), mas representa a alma humana como uma força feita de 3 partes: 1 condutor e 2 cavalos alados (pégasos).

O cocheiro comanda. Ele representa o intelecto, a Razão. Sua função é conduzir a biga na direção da verdade, controlando as rédeas de modo a manter o equilíbrio e impedir que um dos cavalos se imponha.

Quanto aos cavalos alados, um é branco, dócil e representa a coragem e tudo o que é elevado – honra, sabedoria. É a parte de nós que tem aspirações.

O outro cavalo é negro, atraído por tudo o que é chão-chão – ele representa nosso lado irracional, as paixões, as pulsões, os apetites, os desejos, a desmedida.

Pessoalmente, não conheço metáfora mais clara sobre a alma humana !

Marly Peres