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Sem amanhã

Quando o mundo conhecido leva um trambolhão e a realidade muda de repente, como aconteceu conosco, por causa do vírus chinês, forçosamente nos questionamos, repensamos nossa posição diante da vida, do dia-a-dia, dos outros.

Mas isso só acontece num segundo momento, porque o primeiro é de mudança, simplesmente. E mudança nos deixa inseguros. Os padrões desaparecem e os referenciais também.

E aí, o movimento é duplo : 1) Ficamos sem orientação, precisamos reconstruir as relações, o trabalho, a vida. 2) A falta de perspectiva se impõe e provoca a sensação de inutilidade de normas de boa conduta.

Ou seja, desalento e amoralidade. Incerteza. Como vai ser o dia de amanhã ? Por que obedecer a regras se não sabemos sequer se estaremos vivos ?

Tucídides descreve exatamente isso no seu Guerra do Peloponeso, o 1º relato histórico que analisa em detalhes o desmoronar de uma cidade, Atenas. Por dentro, porque os cidadãos morriam como moscas, por causa da epidemia de tifo vinda da África ;  e por fora, porque a consequência imediata disso foi a dificuldade que a cidade passou a ter, na guerra contra Esparta.

A mesma coisa acontece quando a incerteza se instala, depois da conquista de Atenas por Alexandre Magno (e com ela, toda a Grécia), e logo em seguida vem a morte dele, jogando todo aquele mundo numa incerteza atroz e numa mudança de registro.

A resposta a essa nova situação diz respeito ao aqui e agora. Ela se desdobra em 4, de onde as chamadas 4 Escolas helenísticas. Lembrando que essa é a época do declínio do poderio militar e autonomia da civilização helênica, mas a influência sobre os conquistadores macedônios e depois romanos, que herdam as conquistas macedônias, é tão grande, que toda essa época recebe o nome da civilização conquistada.

As 4 Escolas são : cínicos, céticos, estoicos e epicuristas.

Os céticos não aceitam nenhuma verdade previamente e discutem tudo. Baseado na contradição e na refutação, o discurso filosófico é aqui palavra terapêutica. Ele age como purgativo. Essa prática mostra que todo e qualquer julgamento é vazio e sem fundamento. A pessoa duvida de tudo e suspende seus juízos, optando pelo silêncio.

Os cínicos recusam as convenções sociais, os artifícios, a hipocrisia, a tirania de pertencer obrigatoriamente a uma maioria. A ideia é mostrar os perigos da adaptação ao grupo social a qualquer preço, pois para corresponder às expectativas sociais nós construímos para nós mesmos uma falsa personalidade, cortamos o que pertence espontaneamente a nossa verdadeira natureza.

Os estoicos optam pela aceitação, pela impassibilidade. Defendem que devemos aceitar viver o próprio sofrimento, sem buscar um alívio, pois isso nos ajuda a construir uma fortaleza interior. E o que depende só de nós nos torna livres.

Os epicuristas propõem que aprendamos a nos satisfazer com pouco, pois o simples fato de estar vivo é o ponto mais alto do prazer. Isso nos ajuda a praticar um novo modo de vida : saber se contentar com o que é básico, dispensando o supérfluo. A terapia epicurista é simples : permanecer na sensação, ou voltar à verdade de sensação, à verdade do corpo. E prestar sempre atenção a si mesmo.

Epicuro defende a pura alegria de viver, o puro prazer de se sentir vivo. Mas isso raramente acontece, porque mesmo que nosso corpo nos deixe em paz, estamos sempre tensos, em função dos “objetos de prazer”. E o prazer não está nos objetos, mas em nosso corpo.

A verdadeira tarefa do filósofo é curar essa aflição tola, ensinando as pessoas a viver o verdadeiro prazer. Epicuro afirma que não temos nada a temer, já que os Deuses não existem e tudo não passa de uma conjunção de átomos, inclusive a alma, que se desagrega quando morremos.

O mestre da filosofia sensualista classifica os desejos e prazeres em 3 tipos :

  1. naturais e necessários : comer, beber, dormir ;
  2. naturais e não necessários : fazer sexo, comer bem, beber bem etc. ;
  3. nem naturais nem necessários : fausto, glória, fama, dinheiro, honrarias.

Marly N Peres